
Exército brasileiro compra software capaz de extrair dados de celulares
03/08/2022Exército adquire ferramenta Cellebrite para extração de dados em celulares e redes sociais
O Exército Brasileiro, por meio de seu Comando de Defesa Cibernética (ComDCiber), adquiriu a ferramenta Cellebrite UFED, um software avançado utilizado para a extração de dados em dispositivos móveis, sistemas de armazenamento em nuvem e redes sociais como Facebook, Twitter e Instagram. A contratação da tecnologia foi realizada nos últimos dias de 2021, quando o Exército ainda era comandado pelo general Paulo Sérgio Nogueira, atual ministro da Defesa.
A informação foi revelada em uma reportagem do jornal Folha de S.Paulo, publicada nesta quarta-feira (3). Segundo os documentos da contratação obtidos pela reportagem, a aquisição foi justificada com base no aumento da demanda por perícia digital nos últimos três anos dentro do setor de defesa cibernética da força armada. O objetivo seria ampliar a capacidade de investigação do Comando em atividades que envolvam segurança digital e análise forense de dispositivos.
Uma ferramenta poderosa e controversa
A Cellebrite UFED (Universal Forensic Extraction Device) é uma das tecnologias mais utilizadas por forças policiais e instituições jurídicas ao redor do mundo para recuperar dados em smartphones. No Brasil, já foi amplamente empregada pela Polícia Federal, Polícias Civis, Ministério Público e pelo Instituto Nacional de Criminalística em investigações importantes, especialmente após decisões judiciais que permitam o acesso a conteúdos digitais de aparelhos apreendidos.
A ferramenta é capaz de recuperar mensagens deletadas, arquivos ocultos, dados criptografados e conteúdos armazenados na nuvem, mesmo quando o usuário toma precauções para apagar ou esconder essas informações. Com ela, é possível examinar detalhadamente o histórico digital de um dispositivo, o que tem sido fundamental para elucidar crimes complexos.
Apesar do poder investigativo, o uso desse tipo de ferramenta também gera preocupações sobre privacidade e uso indevido. Por essa razão, organizações de direitos civis e especialistas em segurança digital frequentemente questionam a falta de transparência no uso e nos critérios adotados para acessar os dados de civis.
Processo de aquisição
Segundo os documentos acessados pela Folha, o processo de compra foi formalizado por Alexander Vicente Ferreira, coronel e chefe de gabinete do ComDCiber. A ferramenta adquirida já está equipada com hardware compatível com o mercado brasileiro e será utilizada para fortalecer o braço cibernético do Exército, que atua não apenas em defesa de redes militares, mas também em apoio a outras forças de segurança em casos específicos.
O contrato inclui serviços de treinamento, suporte técnico e atualizações do software, fornecidos pela empresa TechBiz, especializada em tecnologias forenses. A TechBiz informou, em nota ao jornal, que sua atuação limita-se ao fornecimento técnico e treinamento. A empresa reforçou que não tem acesso aos dados extraídos nem acompanha como os equipamentos são utilizados após a venda.
Casos emblemáticos envolvendo a Cellebrite
A Cellebrite ficou conhecida nacionalmente por seu papel em investigações de grande repercussão. Um dos exemplos mais notórios foi o caso da morte do menino Henry Borel, em 2021. O software foi utilizado para recuperar mensagens deletadas dos celulares da mãe do menino, Monique Medeiros, e de seu então companheiro, o vereador Dr. Jairinho (expulso do Solidariedade). As conversas revelaram episódios de agressão e tortura contra a criança, relatados por uma ex-babá da família. As mensagens, que haviam sido apagadas, foram recuperadas e usadas como prova crucial para a prisão dos envolvidos.
Além desse caso, a ferramenta também foi utilizada nas investigações que culminaram na prisão de Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro, em meio às investigações do esquema das rachadinhas. O Cellebrite também foi empregado na apuração do assassinato da vereadora Marielle Franco, em 2018, e nas investigações da chamada Vaza Jato, série de vazamentos envolvendo conversas privadas de procuradores da Operação Lava Jato.
Ausência de respostas do Exército
Apesar da relevância e do custo da tecnologia, o Exército não respondeu aos pedidos de esclarecimento feitos pela Folha de S.Paulo sobre os detalhes da contratação. A falta de transparência reforça a preocupação de especialistas com o uso de tecnologias de vigilância digital por órgãos militares, especialmente em tempos de intensos debates sobre liberdades civis e segurança da informação.
Ainda assim, a compra se insere dentro de uma tendência crescente de investimento em capacidades cibernéticas por parte de instituições militares em todo o mundo. A digitalização das ameaças contemporâneas, incluindo espionagem, terrorismo e crimes virtuais, torna a área cibernética um novo campo estratégico para defesa nacional.
Considerações finais
Com a aquisição da Cellebrite, o Exército amplia seu arsenal tecnológico na área de defesa cibernética e entra para o grupo de instituições brasileiras que utilizam ferramentas forenses digitais de ponta. Resta saber se o uso da tecnologia será pautado por critérios transparentes e legalmente fundamentados, especialmente quando se trata de acessar dados pessoais de civis, o que exige cuidado redobrado e supervisão rigorosa.