
Índia revoga Lei de Privacidade de Dados
03/08/2022Governo da Índia retira polêmico projeto de lei de privacidade de dados e promete reformulação com base em padrões globais
Nesta quarta-feira, 3 de agosto, o governo da Índia anunciou a retirada oficial do Projeto de Lei de Proteção de Dados Pessoais de 2019, legislação que havia sido proposta para regular o uso, armazenamento e compartilhamento de dados pessoais no país. Embora sua intenção fosse proteger os direitos dos cidadãos indianos em relação à privacidade de seus dados, a proposta gerou grande controvérsia tanto dentro quanto fora da Índia, especialmente entre empresas de tecnologia globais.
O projeto exigia que as chamadas big techs — como Google, Meta (empresa controladora do Facebook), Amazon, entre outras — alterassem radicalmente suas práticas de coleta e armazenamento de dados no território indiano. Uma das exigências era que dados considerados sensíveis fossem armazenados obrigatoriamente em servidores localizados dentro da Índia, algo que as empresas estrangeiras viam como uma barreira operacional e comercial.
Empresas satisfeitas, parlamentares frustrados
A decisão de retirar o projeto agradou grandes empresas do setor de tecnologia, que há anos manifestam preocupação com as exigências da legislação indiana. Tanto Google quanto Facebook, por exemplo, já haviam se posicionado publicamente contra o projeto, alegando que a obrigação de armazenar dados localmente dificultaria seus modelos de negócios e aumentaria os custos operacionais. Para essas empresas, a retirada da proposta representa uma vitória estratégica e a possibilidade de diálogo sobre uma nova legislação que seja mais alinhada com os padrões internacionais.
Por outro lado, a decisão gerou frustração entre parte dos legisladores indianos, que haviam trabalhado ativamente na aprovação do texto original. Muitos deles enxergavam o projeto como uma ferramenta essencial para garantir a soberania digital do país e proteger a privacidade dos dados de mais de 1,4 bilhão de cidadãos.
Promessa de um novo marco legal
Segundo o ministro de Tecnologia da Informação da Índia, Ashwini Vaishnaw, o governo reconhece a importância de uma legislação robusta sobre dados pessoais, mas afirma que o projeto original exigia uma reestruturação completa para estar em conformidade com os padrões modernos do ecossistema digital. Em comunicado oficial, Vaishnaw explicou que o projeto de 2019 foi analisado detalhadamente por uma Comissão Parlamentar Conjunta (JCP, na sigla em inglês), que propôs 81 emendas e fez 12 recomendações para a construção de uma estrutura legal mais ampla e coerente.
“O Projeto de Lei de Proteção de Dados Pessoais de 2019 foi debatido de forma minuciosa pela Comissão Mista do Parlamento. Diante das muitas emendas e sugestões recebidas, consideramos que o melhor caminho seria trabalhar em um novo projeto que reflita um arcabouço legal abrangente e atualizado, alinhado com padrões globais”, declarou o ministro.
Raízes da legislação e preocupações crescentes
A proposta original surgiu em meio à crescente preocupação do governo indiano com a coleta e o uso indevido de dados pessoais por empresas privadas e até mesmo por governos estrangeiros. O escândalo global de uso indevido de dados envolvendo o Facebook e a Cambridge Analytica, além de diversos incidentes locais de vazamento de informações pessoais, acenderam o alerta em Nova Délhi sobre a vulnerabilidade digital da população.
O texto da Lei de 2019 previa que empresas teriam que obter consentimento explícito dos usuários antes de coletar, utilizar ou compartilhar dados sensíveis, como informações financeiras, biométricas ou de saúde. Além disso, previa a criação de um órgão regulador independente para fiscalizar a aplicação da lei e penalizar infrações.
No entanto, para as grandes empresas de tecnologia, muitas dessas exigências eram vistas como entraves à inovação e à eficiência operacional. Além do alto custo para implementar sistemas de armazenamento local, havia também receios quanto à segurança jurídica e ao risco de fragmentação das políticas de dados em diferentes países, dificultando uma atuação global padronizada.
Impacto nas relações internacionais
A retirada da proposta também tem repercussões diplomáticas. Há anos, as regras cada vez mais rígidas da Índia sobre tecnologia e internet vinham gerando tensões com os Estados Unidos, onde estão sediadas muitas das big techs. A exigência de localização obrigatória de dados e outras políticas de proteção digital adotadas pela Índia estavam se tornando um ponto sensível nas relações entre Washington e Nova Délhi.
Com o recuo do governo indiano, espera-se uma possível melhora na relação com o setor privado estrangeiro e a criação de um ambiente mais favorável para investimento e cooperação tecnológica.
O que esperar a seguir
A promessa do governo é apresentar, em breve, um novo projeto de lei que incorpore as recomendações parlamentares e esteja alinhado com os modelos regulatórios adotados em países como a União Europeia, onde o Regulamento Geral de Proteção de Dados (GDPR) serve como referência.
Para especialistas como Prasanto Roy, consultor de políticas públicas em Nova Délhi, a retirada do projeto pode ser positiva se representar a oportunidade de um recomeço bem estruturado. “É bom que haja uma reformulação do zero”, afirmou Roy. “A Índia precisa de uma lei moderna, prática e eficaz, que equilibre proteção de dados com desenvolvimento tecnológico.”
Agora, o desafio do governo indiano será encontrar esse equilíbrio — criando um marco regulatório forte, mas que também favoreça a inovação e a economia digital em crescimento no país.